Cenário de tantos outros jogos gloriosos do futebol perneta e, portanto, mundial, o Pavilhão Desportivo da Universidade do Minho voltou a receber Os Coxos para um jogo-que-nenhum-de-nós-queria-ter-jogado. A fechar 2017, os aleijadinhos receberam os Amigos da Marmota e homenagearam Romano, o seu mais recente camarada caído. O resultado não surpreenderia o homenageado: derrota por 7-9, depois de os pernicurtos terem estado a ganhar por 7-5.
Sem a presença da claque oficial, SS Coxos, mais ocupada com a supremacia branca, e também sem os seus esteios fundadores Phillipe e Sabino, a Instituição Coxeana contou com o apoio da família Constantino Romano e de muitos amigos, que deram mostras de um profundo conhecimento da história coxeana: nos cartazes lia-se «Marmotas, esta é fácil», «Foda-se, Teixeira» e «Rui, vai pró banco!». Esta última frase, já veremos, foi presciente.
O jogo começou empatado, o que não deixava de ser refrescante para Os Coxos. Minutos volvidos, Os Coxos adiantaram-se no marcador num lance de génio (liberdade criativa do redactor deste texto) de Rui. Aproveitando a pouca força do passe adversário para Zé, o pé canhão dos estropiados roubou a bola a meio caminho, adiantou-a e chutou com estrondo ao ângulo superior esquerdo dos azuis. Um golo que veio justificar, finalmente, as tantas vezes em que o pai do perneta teve de trocar a fechadura do portão que o filho adolescente rebentava a chuto de bola.
Nos 30 minutos seguintes, e até ao final da primeira parte, os pernetas deixaram-se cair: 1-1, 1-2, 1-3, 1-4 e 1-5, os golos das Marmotas sucediam-se, causados ora pelo avanço no terreno de todos os jogadores vermelhos, deixando Teixeira sozinho na retaguarda, ora pelas paragens nas sinapses de Rui ou por falhas defensivas de outros aleijadinhos.
Na segunda parte tudo mudou: logo a abrir, Pires passa de trivela para Paulos e este, recebendo no peito de costas para a baliza, fintou dois, fintou-se também a si próprio e chutou. A bola ainda embateu no poste, mas já lá morava. Logo de seguida, Pires recebe a bola, ganha em velocidade aos marmotos e chuta para golo, com força, ao ângulo inferior direito.
A recuperação dos estropiados prosseguiu com novo lance com o carimbo do Pogba coxeano: na defesa, Pires atirou longo para o coxo honorário Hélder Beja e este, fintando o adversário, pôs a bola na rede. Do lado de dentro. Minutos depois, os dois melhores em campo do lado vermelhipreto inverteram papéis: Beja ofereceu o golo a Pires, que com a baliza aberta só teve de encostar.
A reviravolta viria a concluir-se em seguida, com novo lance a sair do génio (no caso dele é a sério) de Pires. O 25 dos perna-e-coto pôs a bola em Paulo(s) e este atirou com um bico (especialidade do africano) para o canto superior contrário. A pujança perneta parecia não ter fim e, logo depois, Beja e Pires conduziram novo ataque letal para os Amigos da Marmota. Foi Pires quem fez o gosto ao monopé, pela terceira vez.
Mas a Marmota não desistiu. Com Zé e Joel particularmente inspirados, aquele no passe e este em força e resistência, o 7-6 aconteceu, depois o 7-7 do empate do “porra, queres ver outra vez?…”, logo depois o 7-8 do “vamos lá, Coxos, ainda conseguiremos!”. Já nos descontos, Rui sentenciou o jogo com… uma oferta ao adversário, a sua terceira no jogo.
Classificação dos jogadores coxos:
Teixeira – 18. Gigante, literalmente, o Rui Patrício dos aleijadinhos bloqueou muitos remates adversários, deu o peito às balas e salvou Os Coxos de uma derrota mais pesada. A sua expressão de desalento nos momentos em que a defesa coxa lhe falhou ficará para a História.
Rui – 12. Começou em grande, o agora 85, com um golo que levou o estádio ao rubro. Com o passar dos minutos, porém, o cartaz «Rui, vai pró banco!» ganhou algo de profético pré-apocalipse: Rui comprometeu fatalmente, dando três golos a marcar aos Amigos da Marmota.
Pires – 18. Inconformado, o rápido e tecnicista Pires fez a vida negra à defesa marmótica: fintou, passou, fez três golos e assistiu para outros 3 golos coxos.
Luís Romano – 15. Esteve menos rápido e acutilante do que já o vimos (talvez porque assumiu a camisola 10, que pertencia a Rui), mas foi uma peça determinante para a equipa. Luís, tal como Pires, é um dos jogadores-chave d’Os Coxos e isso ficou claro mais uma vez. Faltou-lhe o golo.
Hélder Beja – 16. Os anos já pesam e a velocidade não é a mesma, mas Beja mantém o controlo de bola e a visão de jogo de um Zidane de rua ao alcance da carteira coxeana. É coxo honorário e, mais uma vez, mostrou em campo os atributos que fazem dele importante para a equipa. Marcou e deu a marcar.
Ivo – 14. Cumpriu. O único coxo que se manteve fixo na defesa, para bem da saúde cardíaca de Teixeira, não comprometeu e manteve a equipa à tona nos momentos em que ela mais precisava.
Paulo(s) – 15. O africano catalão foi um jogador precioso na basculação (queria tanto escrever isto). Industrioso e versátil, provou que pode ter espaço numa equipa do mais alto nível. Mas para já, Paulo(s) terá de voltar para o Barcelona.
Sílvio – 14. Coxo estreante, Sílvio foi convidado especial para este jogo de tributo e não defraudou as expectativas. O marzápio revelou entrosamento com os paralimpicoxos e, tal como Ivo e ao contrário de Rui, foi um seguro de saúde para o portero Teixeira. Estará para breve uma proposta milionária para a sua contratação?
João Romano – 12. Não tem a técnica do irmão Pedro, nem a rapidez do irmão Luís, mas o mais jovem produto da cantera coxeana é voluntarioso e tem margem de progressão. O passe de João valorizou depois de mais este jogo pela equipa principal perneta.
Classificação dos Amigos da Marmota:
Macieira – 16. Em excelente forma física depois de ter perdido 25 kg nos últimos 5. meses. Calcou todos os terrenos do jogo apoiando as acções ofensivas, ajudando também a equilibrar quando a equipa estava focada no ataque.
Cobra – 15. Movimentação perfeita entre linhas, controlando e ocupando bem os espaços curtos disponibilizados pela defesa adversária. Autor de belos lances, contudo um pouco perdulário no momento da finalização.
Sêveas – 14. Teve poucos minutos em campo para deixar a sua magia, estando esta evidente na velocidade com que se levantou depois de ter sido atingido a tiro numa perna quando perseguia a bola para iniciar um letal ataque. Bom posicionamento e boa distribuição de bola nos minutos em campo.
Zé – 17. Com Joel, formou uma dupla letal, criando golos com os seus vários passes rasgados a cortar a defensiva perneta. Monstro do meio campo dos Amigos da Marmota, manifestou um excelente controlo da temporização do jogo, alimentando o ataque e apoiando a defesa.
Rashid – 14. Apagado devido à ausência de qualquer aderência por parte do seu calçado, ficou atrás de modo a controlar os contra-ataques coxos quando a equipa estava demasiado balanceada no ataque. Os períodos em que não esteve em campo coincidem com as recuperações dos Coxos.
Borras – 16. Assumiu o papel de capitão de peito cheio e esteve presente em todas as áreas de jogo, com posicionamento dinâmico e adequado, participando em dobras defensivas e em tabelas ofensivas. Em alguns lances os Coxos interceptaram alguns passes seus em zonas perigosas.
Joel – 17. Melhor marcador dos Amigos da Marmota. Conferiu maior amplitude e velocidade à equipa no último terço do terreno, contudo nem sempre tomou a melhor opção no momento do último toque, passe ou finalização. Evidencia algumas carências defensivas, mais evidentes nas bolas paradas dos Coxos.
Avelino – 14. O cabelo grisalho poderia fazer pensar que estava ali um jogador fácil de ultrapassar, ou a quem tirar a bola seria pinners. Mas Avelino Romano mostrou como se joga a pernetas com pouco mais de metade da sua idade. E ainda fez um cabrito que não será esquecido.